Artículo de investigación

Impactos do Atendimento Educacional Especializado nas Trajetórias de Alunos Egressos de uma Escola em Novo Hamburgo1

Impacts of Specialized Educational Attendance in the Trajectories of Egressed Students from a School in Novo Hamburgo

Impactos del Servicio Educativo Especializado en las Trayectorias de Alumnos Egresos de una Escuela en Novo Hamburgo

Flávia Garcia Fernandes
flaviaeja@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0003-1022-190X
Unijuí - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil

Helena Venites Sardagna

helena-sardagna@uergs.edu.br
http://orcid.org/0000-0002-6175-9542
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Brasil

ISSN: 0124-1494
eISSN: 2590-8200
Recibido: 7 de junio de 2018
Aceptado: 24 de febrero de 2019
Publicado: 5 de junio de 2019

Cómo citar: García, F., y Venites, H. (2019). Impactos do Atendimento Educacional Especializado nas Trajetórias de Alunos Egressos de uma Escola em Novo Hamburgo. Praxis Pedagógica, 19(24), 124-147. http://dx.doi.org/10.26620/uniminuto.praxis.19.24.2019.124-147

Conflicto de intereses: los autores han declarado que no existen intereses en competencia.


Resumo

Este artigo analisa os impactos da trajetória escolar subse- quente de alunos com deficiência, egressos do Atendimento Educacional Especializado (AEE) de uma escola pública na cidade  de  Novo  Hamburgo  (RS/Brasil).  Participaram  fami- liares, alunos e professora. A metodologia baseou-se num estudo de caso, de abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, e os dados foram coletados em questionário e entrevistas com questões semiestruturadas. Os resultados mostram que o AEE impactou positivamente na escolari- zação dos egressos. Por outro lado, a descontinuidade da oferta do serviço marcou o descumprimento da legislação. Compreendeu-se que o AEE, quando ofertado conforme previsto, auxilia na escolarização. Contudo, a ruptura com os estudos e o não ingresso no mercado de trabalho marcam práticas de in/exclusão cuja respon- sabilidade recai sobre o próprio egresso ou seus familiares.

Palavras-chave: Atendimento Educacional Especializado, alunos egressos, educação inclusiva.

Abstract

This article analyzes the impacts of the subsequent school trajectory of students with disabilities, egressed from the Specialized Educational Attendance (SEA) of a public school in the city of Novo Hamburgo, Brazil. Family members, students and teachers participated. The methodology was based on a case study, with a qualitative, exploratory and descriptive approach, and the data were collected in a questionnaire and interviews with semi-structured questions. The results show that the SEA positively impacted the schooling of the egressed, on the other hand, the discontinuity of the SEA offer marked the noncompliance with the legislation. It was understood that the SEA, when offered as planned, assists in schooling. However, the break with studies and non-entry into the labor market, in/exclusion practices whose responsibility lies with egressed himself or his family.

Keywords: Specialized Educational Attendance, egressed students, inclusive education.

Resumen

Este artículo analiza los impactos de la trayectoria escolar subsecuente de alumnos con discapacidad, egresados del Servicio Educativo Especializado (SEE) de una escuela pública en la ciudad de Novo Hamburgo, Brasil. Participaron familiares, alumnos y profesores. La metodología se basó en un estudio de caso, de abordaje cualitativo, exploratorio y descriptivo y los datos fueron recolectados en cuestionario y entrevistas con cuestiones semiestructuradas. Los resultados muestran que el SEE impactó positivamente en la escolarización de los egresados, por otro lado, la discontinuidad de la oferta del SEE marcó el incumplimiento de la legislación. Se comprendió que el SEE, cuando es ofrecido según lo previsto, auxilia en la escolarización. Sin embargo, la ruptura con los estudios y el no ingreso en el mercado de trabajo, marcan prácticas de in-exclusión cuya responsabilidad recae para el propio egreso o sus familiares.

Keywords: Atención educativa Especializada, alumnos egresados, educación inclusiva.


Introdução

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) está previsto na legislação brasileira (Brasil, 2008; 2009; 2011; 2013) para ser ofertado em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM2) e em Centros de AEE das redes públicas ou de instituições comunitárias, confessionais, filantrópicas sem fins lucrativos. A legislação atual preconiza que os educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, que são o público-alvo do AEE, sejam matriculados nas classes comuns do ensino regular (Brasil, 2009).

Além disso, está em vigência a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-PEI), instituída pela Portaria nº 555/2007 e prorrogada pela Portaria nº 948/2007, com o objetivo de “assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”. Esta orienta os sistemas de ensino para que garantam “acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino (...)” (Brasil, 2008, p. 14). Nesse cenário, o estudo em questão torna-se pertinente, uma vez que os alunos que frequentam o AEE recebem esse serviço de apoio, sendo um dos seus objetivos contribuir para a continuidade nos níveis subsequentes de ensino e na profissionalização.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), ou Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, atualizada pela Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013 (Brasil, 2013), no Art. 58, a educação especial é uma modalidade da educação escolar a ser ofertada na rede regular de ensino, tendo como público-alvo, os já anteriormente mencionados, alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. São previstos serviços de apoio especializado nas escolas comuns, com o intuito de acolher as particularidades dos educandos dessa modalidade de ensino, sempre que necessário.

Baseando-se em experiências profissionais e acadêmicas das autoras, partiu-se da hipótese de que o AEE seja um marcador importante da trajetória escolar. Porém, como não se concretiza a garantia dos serviços de apoio em níveis ulteriores de ensino, o sujeito com deficiência fica à mercê da sorte. Nesse cenário, o estudo visou levantar informações sobre a trajetória de dois ex-alunos de uma escola pública de ensino fundamental do município de Novo Hamburgo, estado do Rio Grande do Sul, no Brasil.

Ambos os egressos participantes da pesquisa frequentaram o AEE de uma escola pública da referida cidade, e serão aqui deno- minados de Egresso I (frequentou o AEE de 2005 até 2011) e Egresso II (frequentou o AEE de 2006 até 2008). Foram entre- vistadas as mães dos respectivos egressos, denominadas neste estudo como Familiar Egresso I e Familiar Egresso II. O Egresso I participou da entrevista. Além das mães, entrevistou-se também a professora do AEE da escola municipal de ensino fundamental (EMEF) onde os egressos estudaram. A escola atendeu aos dois educandos durante o período citado, acompanhou a trajetória de ambos e realizou a articulação com seus familiares.

O presente estudou procurou saber se esses egressos estão estudando, se estão recebendo atendimentos educacionais especializados e qual o significado do AEE nas suas trajetórias. O estudo ainda agregou informações acerca do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola EMEF AA, em relação à educação inclusiva e às perspectivas sobre a continuidade dos estudos do seu alunado participante do AEE, o público de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Como referenciais teóricos principais que fundamentam a educação na perspectiva inclusiva, o estudo dialogou com Carvalho (2012), que analisa a política de educação inclusiva nos níveis macro, meso e micropolíticos. Também dialogou com Montoan (2015), que compreende que os sistemas de ensino devem incluir sem deixar ninguém de fora da escola comum, ensinando todas as crianças, indistintamente.

Já numa perspectiva de cunho filosófico, Veiga-Neto e Lopes (2011) contribuem com o estudo quando questionam o conceito de inclusão como o oposto de exclusão, e alertam que a inclusão, por ser cunhada numa matriz binária, pode ser uma forma de exclusão. Em outras palavras, inclui-se para excluir, isto é, uma inclusão excludente. Nessa reflexão, os autores provocam uma crítica radical ou hipercrítica à inclusão (geral e educacional), que significa conhecer, analisar e problematizar as condições para a sua própria emergência. Nesse mesmo contexto, é pertinente ainda para o presente estudo a discussão de Lockmann (2016), que compreende a inclusão não como uma prática salvacionista para o problema da exclusão, mas sim como uma produção dos discursos contemporâneos.

Retomando o objetivo, o estudo visou analisar a trajetória escolar subsequente de alunos com deficiência, egressos do Atendimento Educacional Especializado de uma escola pública de ensino fundamental do município de Novo Hamburgo, de modo a compreender os impactos do AEE nessa trajetória. Para essa tarefa, foram elencados objetivos específicos:

Este trabalho partiu de uma busca bibliográfica para conhecer discussões sobre a temática, com destaque para o histórico da pessoa com deficiência, o contexto social, a legislação brasileira em relação ao AEE, a SRM e a educação inclusiva.

As problematizações do estudo permitiram a delimitação do problema de pesquisa: o AEE teve algum impacto na trajetória escolar subsequente de alunos com deficiência, participantes desse serviço de apoio, egressos de uma escola pública de ensino fundamental?

Contexto da Pesquisa

Conforme mencionado, a pesquisa foi realizada em uma es- cola pública que atualmente oferece vagas para as turmas de educação infantil (quatro e cinco anos) e ensino fundamental (primeiro ao quinto ano). Segundo o seu PPP, a escola atende a duzentos e oitenta alunos, sendo doze destes com deficiência. A equipe especializada é formada por cinco estagiários de apoio às crianças com deficiência e serviço de AEE com um professor especialista para os atendimentos (EMEF AA. PPP, 2017).

No PPP escolar, consta que a SRM é um espaço na escola que foi restruturado no segundo semestre de 2009. Nesse espaço, que se dá em forma de sala, há materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profissionais com formação para AEE.

A professora que atua na SRM é licenciada em educação física, com formação complementar a partir de cursos em AEE e extensão em estimulação/intervenção precoce. Ademais, é especialista em educação psicomotora e psicopedagogia institucional e clínica, e mestre em diversidade cultural e inclusão social (EMEF AA. PPP, 2017).

O PPP define a SRM como um espaço onde alunos público-alvo do AEE são atendidos por meio de estratégias de aprendizagens, visando à permanência nos sistemas escolares, com a construção de conhecimentos e participação da vida escolar em todos os sentidos (EMEF AA. PPP, 2017).

O AEE na Política Educacional como Apoio à Inclusão

A discussão sobre inclusão é compreendida no escopo de práticas de regulação. Já as dimensões da política de educação inclusiva são pertinentes para contextualizar a sua concretização em diferentes níveis. Esta seção também faz referência à dimensão legal, especialmente a leis, resoluções e decretos correlatos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008).

A Dimensão da Política Educacional e a Inclusão

Carvalho compreende a inclusão escolar como um processo que tem características de temporalidade, flexibilidade e dinamismo. A autora afirma que é possível desenvolver práticas pedagógicas que acolham as diferenças e que envolvam trabalhos na diversi- dade (Carvalho, 2012, p. 72). Diversidade e educação inclusiva são temáticas constantes na sociedade contemporânea, e pro- mover esse paradigma é crer que todas as crianças pertencem à sociedade (independentemente de classe social, capacidade, credo religioso, cultura, sexo, nacionalidade ou língua).

A perspectiva inclusiva também converge com os estudos de Mantoan (2015), que relaciona a inclusão a uma transformação de paradigma, em que é superada a divisão dos sistemas fragmentados da educação especial, das salas e classes especiais, programas de aceleração, reforço escolar, etc. Trata-se de uma mudança radical na perspectiva da educação escolar, a partir da qual se suprime a subdivisão dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial e ensino regular.

Nesse cenário, uma sociedade nesse viés prioriza o respeito a todos os sujeitos, considerando suas diferenças. Assim, a diversidade é valorizada e reconhecida como particularidade essencial à constituição social. Nessa sociedade, a escola estabelece um papel fundamental, por ser o local onde as crianças aprendem a se relacionar umas com as outras, estabelecendo vínculos afetivos e de aprendizagem.

O AEE faz parte da perspectiva inclusiva, na política educacional atual, que valoriza as diferenças, buscando ampliar em sua organização as condições de aprendizagens para os alunos com deficiência. Esse serviço de apoio, conforme previsto na Resolução nº 4, de 02 de outubro de 2009, deve ser realizado pelo profissional especializado e deve ocorrer em espaço pedagógico denominado Sala de Recursos Multifuncional ou em Centros de AEE (Brasil, 2009).

O trabalho na diversidade questiona a lógica disciplinar expositiva e fragmentada em que o professor adota o desempenho principal e prevê adaptações às especificidades de aprendizagem dos alunos público-alvo da educação especial (Carvalho, 2012). A perspectiva da inclusão para Mantoan (2015) relaciona-se a uma mudança de paradigma na educação, propondo acabar com a divisão dos sistemas de modalidades escolares especiais e regulares

Carvalho (2012) destaca que as transformações para um trabalho na diversidade devem começar no interior dos órgãos implementadores das políticas públicas educacionais. A autora analisa a inclusão a partir de três níveis da política educacional: o nível macropolítico no âmbito da gestão educacional, o nível mesopolítico no âmbito da gestão escolar, e o nível micropolítico no âmbito da gestão pedagógica de sala de aula.

O nível macropolítico, que é a dimensão nacional e dos órgãos educacionais, é onde estão as políticas públicas. Conforme a autora, as articulações internas dos diferentes órgãos de políticas de educação inclusiva são insuficientes, afirmando que é preciso intensificar as articulações entre políticas públicas diversas por meio de “parcerias entre educação, saúde, trabalho, desportos, transporte, assistência social, etc. como rotina, em vez de conta- tos contingenciais, esporádicos” (Carvalho, 2012, p. 57).

O outro nível se dá na dimensão mesopolítica, que se concretiza no âmbito da escola. Nesse segundo nível, está a relação da política que se desdobra na escola, ou seja, é a escola concretizando a política educacional vigente (Carvalho, 2012). A autora aborda também o projeto político pedagógico, currículo, formação dos professores, práticas pedagógicas, critérios de avaliação e parcerias com outas instituições, destacando as condições que a escola oferece para atender às novas demandas que vêm com a inclusão.

O terceiro nível é o da micropolítica, que se efetiva no âmbito da sala de aula. Ao destacá-lo, a autora visualiza as aflições, inquietações, dúvidas e o sentimento de despreparo que afligem os professores, partindo das transformações que viriam com a proposta de educação inclusiva (Carvalho, 2012). Nesse nível, compreende-se que as diretrizes nas prerrogativas legais têm repercussão na sala de aula, de modo que o aluno tem a ga- rantia de vivenciar práticas pedagógicas convergentes com as previsões nos outros níveis. A autora aponta que, para a concre- tização desse nível, há necessidade de formação continuada e de estratégias para a aprendizagem de todos os alunos, com e sem deficiência (Carvalho, 2012).

Compreendendo o AEE como potencializador da promoção de igualdade de oportunidades, ao mesmo tempo entendendo-o tanto na dimensão macropolítca quanto na meso e micropolítica, considera-se fundamental conhecer contextos e refletir sobre os impactos desse serviço de apoio. O trabalho do AEE permite a construção de um olhar diferenciado para o aluno com especificidades no processo de ensino e de aprendizagem. O AEE pode contribuir para o acesso e a permanência de educandos com deficiência na escola e, para além dela, em suas funções. Na SRM são criadas intervenções a partir de ferramentas que visem ampliar a estruturação de conhecimentos do educando com deficiência e sua atuação na vida escolar. Assim, a SRM pode ser um espaço importante para a efetivação do AEE (Pletsch, M. D.; Damasceno, 2011).

Também contribuem para a discussão das práticas de apoio à inclusão, entre estas o AEE, Veiga-Neto e Lopes (2011), problematizando o discurso da inclusão como o oposto à exclusão. Apontam para a crítica radical, também chamada de hipercrítica, não num sentido contrário ou favorável a essa prática, mas sugerindo olhar para os discursos da inclusão de outras formas, sustentadas por análises que a inserem no conjunto de práticas da sociedade que constituem formas de ser e de estar no mundo. Os autores buscam compreender as condições e possibilidades para que hoje o discurso de ordem seja a inclusão, conhecendo, problematizando e analisando as propriedades para a sua manifestação. Para isso, utilizam o termo in/exclusão ao se referir à presença de todos no mesmo espaço físico, pelo convencimento dos indivíduos de suas incapacidades ou capacidades limitadas de compreensão e participação social.

A in/exclusão se concretiza, já que, no modo contemporâneo, permitimos que a inclusão e a exclusão não se encontrem em campos opostos. Ambas são articuladas de forma que uma só opera na relação com a outra e por meio do sujeito. Acredita- mos que essas reflexões de crítica radical são importantes no AEE, valorizando as diferenças e refletindo de forma profunda suas práticas cotidianas, em sua organização (VEIGA-NETO; LOPES, 2011).

Nesse sentido, Lockmann (2016) analisa as práticas de inclusão sustentadas na circulação dos sujeitos, “que instauram um éthos inclusivo, que é tomado como verdadeiro em uma determina- da época e compartilhado coletivamente” (Lockmann, 2016, p. 16). As práticas que visam à inclusão passam a exigir estratégias que modulam as condutas individuais e coletivas, subjetivando sujeitos e instituições. Tais verdades são tomadas tanto pela co- letividade quanto pelos indivíduos como necessárias e, portanto, livres de qualquer suspeita.

Para Veiga-Neto e Lopes (2011), a inclusão tem sido assumida como princípio inquestionável quando dialoga com as noções de democracia, cidadania e direitos humanos. Nessa perspec- tiva, o mundo social é percebido como isotrópico: um espaço igual e homogêneo para tudo o que nele existe, incluindo seres humanos.

Essa metáfora física da isotropia retrata um meio em que todas as características se manifestam da mesma maneira e intensidade, desconsiderando as direções e o ponto de onde o observamos. Nessa concepção, tudo se encontra em equilíbrio estático, porque há ausência da diferença. Qualquer situação desigual contraria a natureza desse mundo. Nesse entendimento, o natural seria que todos ocupassem igualmente os espaços sociais. Incluir, nessa perspectiva, significa restaurar uma suposta ordem natural perdida. A inclusão passaria a ser vista de forma intocável e inabalável, de acordo com esse pensamento.

Veiga-Neto e Lopes (2011) atentam para os cuidados de não banalizarmos o conceito de “inclusão” no seu sentido ético, problematizando-o. A banalização desse conceito pode reduzir o princípio universal das condições de igualdade para todos em um mesmo espaço físico. Apenas o reconhecimento de um cidadão pelo Estado não o torna incluído em um espaço educacional.

Nosso movimento é de tomar o AEE como estratégia importante —e, portanto, necessária— para os sujeitos com deficiência matriculados nos sistemas de ensino, mas entendendo que essa estratégia também é parte dos processos que modulam as condutas. Nesse sentido, tanto a inclusão quanto a exclusão fazem parte do mesmo processo, ou seja, a exclusão também é uma produção criada na sociedade, na constituição dos significados sobre os sujeitos.

A SRM também deve ser prevista e efetivada como um espaço de interlocução sobre os processos de aprendizagem do aluno. Nesse sentido, acredita-se que o AEE permite um trabalho de mediação de aprendizagens entre professores de sala de aula, apoiadores e educandos, rompendo a lógica fragmentada, garantindo articulações em uma perspectiva da diversidade, não apenas para atender aos objetivos de uma série, um ciclo ou uma etapa escolar, mas com expectativas na trajetória subsequente do estudante.

O AEE na Dimensão da Legislação Brasileira

O Atendimento Educacional Especializado é um serviço de apoio ofertado em espaços denominados Salas de Recursos Multifuncionais. São espaços previstos na legislação atual que fundamentam as práticas inclusivas nos sistemas de ensino na atualidade. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Brasil foi a Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que manifestou pela primeira vez a preocupação com a educação especial. No entanto, é possível identificar que gradativamente os movimentos em relação à pessoa com deficiência foram recebendo diferentes contornos, ao longo da segunda metade do século XX, para que, na primeira década do século XXI, a proposta do AEE em SRM fosse estabelecida.

Conforme Sardagna (2013), passamos de um movimento identi- ficado na década de 1950 com práticas de institucionalização do sujeito com deficiência, significado socialmente como anormal, para o movimento de atendimento dos alunos com deficiência em classes especiais, o que perdurou até os anos 1980. A autora destaca ainda que, nos anos de 1990, podem ser identificados diversos movimentos de fechamento das classes especiais, e os estudantes com deficiência foram pouco a pouco sendo incluí- dos nas salas de aula comuns dos sistemas de ensino.

O AEE enquanto serviço de apoio foi instituído pela Constituição Federal de 1988, no Inciso III do Art. 208, e posteriormente pela LDBEN. O Art. 58 da LDBEN define a educação especial como uma modalidade da educação oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, havendo, quando necessário, serviços de apoio especializado. Segundo essa Lei, o AEE acontece “em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (Brasil, 1996).

Os sistemas de ensino, conforme o Cap. V, nos Arts. 58 e 59 da LDBEN, devem assegurar aos educandos currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos. Esse mesmo capítulo afirma que os sistemas de ensino também preci- sam assegurar educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, incluindo condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho, mediante articulação com os órgãos oficiais afins (Brasil, 1996).

A PNEE-PEI, nas suas diretrizes para os sistemas de ensino, prevê o acesso ao AEE desde a educação infantil, de zero aos três anos. O AEE é previsto como um serviço de apoio para todas as etapas e modalidades da educação básica e da educação superior, de forma a apoiar o desenvolvimento dos educandos, instituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. As orientações para o AEE presentes nessas diretrizes orientam que esse serviço seja ofertado no turno inverso ao da classe comum, na educação básica. O objetivo é identificar, elaborar e preparar recursos pedagógicos e de acessibilidade que suprimam as barreiras para a participação integral dos educandos, considerando as necessidades específicas dos alunos. As intervenções pedagógicas no AEE distinguem-se das realizadas na sala de aula comum, visando à autonomia e independência no espaço escolar e sociedade (Brasil, 2008).

Decorre da Política Nacional a Resolução nº 04/2009, referen- te às Diretrizes Operacionais para o AEE na educação básica, regulamentando os atendimentos nos espaços escolares. Esse documento prevê planejamentos que buscam o enriquecimento curricular, o ensino de linguagens (incluindo códigos específicos de comunicação e sinalização) e tecnologia assistiva (recursos e serviços que ampliam habilidades funcionais de pessoas com deficiência) ampliando a autonomia e a inclusão (Brasil, 2009).

Na implementação da SRM, conforme a Nota Técnica SEESP/ GAB nº 11/2010, destaca-se que a escola deve articular esse serviço ao PPP, considerando as condições de acessibilidade, bem como a flexibilidade dos atendimentos, de acordo com os planos de cada aluno. Também é função da escola efetivar articulações entre professores da SRM e salas de aula comuns, estabelecer redes de apoio e colaboração, registrar e promover a participação dos alunos nas ações intersetoriais articuladas junto aos demais serviços públicos de saúde, assistência social, trabalho, direitos humanos, entre outros (Brasil, 2010).

Sobre a organização da prática do AEE, deve constar no PPP a existência de espaço físico adequado para a SRM e o plano do AEE. Nesse plano deve constar a identificação das habilidades e necessidades educacionais específicas dos alunos, planejamen- to de atividades, avaliações, outras estratégias pedagógicas e adaptações de materiais, recursos ou tecnologias (Brasil, 2010).

É também documento vinculado à PNEE-PEI o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que trata das diretrizes opera- cionais do AEE e prevê a integração desse serviço de apoio à proposta pedagógica da escola. Prevê ainda o envolvimento e a participação da família para garantir pleno acesso e participação dos estudantes, a fim de atender às necessidades específicas das pessoas público-alvo da educação especial, e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.

O mesmo decreto garante também a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular e promove o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e de aprendizagem, assegurando condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino. As Salas de Recursos Multifuncionais são definidas nesse documento como ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do AEE (Brasil, 2011).

O Plano Nacional de Educação, na forma da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, em sua Meta 4, prevê a garantia de sistema educacional inclusivo, de Salas de Recursos Multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. Ele aponta ainda para a necessidade de assegurar a implementação de SRM em todas as escolas brasileiras e fomentar a formação continuada para professores em AEE (Brasil, 2014).

No conjunto de leis que asseguram o AEE no Brasil, tem-se o Estatuto da Pessoa com Deficiência, na forma da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, também conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Esse documento assegura, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência. O estatuto visa à inclusão social e cidadania. Em relação à educação, no Art. 28, incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o projeto pedagógico que institucionalize o AEE. O documento orienta que se implementem serviços e adaptações razoáveis3 para atender às características dos estudantes com deficiência, e busca garantir o pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício da autonomia desses estudantes (Brasil, 2015).

Frente a esses recortes da legislação, evidencia-se que a atenção à educação da pessoa com deficiência foi recebendo diferentes contornos ao longo dos anos; contudo, houve uma intensifi- cação dos serviços de apoio, com regulamentos específicos. O AEE na legislação brasileira, discutido na perspectiva das práti- cas pedagógicas inclusivas, aponta ações que podem impactar a trajetória escolar subsequente de alunos com deficiência que participam desses serviços de apoio, egressos de uma escola pública do ensino fundamental, articulando assim reflexões.

Caminhos Metodológicos

A pesquisa foi qualitativa, exploratória e descritiva, do tipo estudo de caso. Os dados foram levantados por meio de entrevistas com questões semiestruturadas com os familiares dos Egressos I e II, seguindo um roteiro, e de um questionário com a professora do AEE que atuava na SRM. As entrevistas foram gravadas e transcritas. A abordagem qualitativa permite que o foco seja mais no processo do que no produto, como sugere Ferreira (2015). O cunho exploratório deu-se na etapa inicial da pesquisa, momento em que se buscou familiarização com o objeto e contexto pesquisado (Gil, 2002).

Considerou-se também pertinente realizar um estudo de caso como estudo empírico “[...] que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade e em seu contexto de mundo real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto puderem não ser claramente evidentes” (Yin, 2005, p. 39). O estudo de caso permitiu olhar para a trajetória subsequente dos egressos participantes da pesquisa, levando em consideração o contexto pesquisado.

A coleta de dados deu-se com a técnica de observação e com os instrumentos roteiro de entrevista e questionário. Quanto aos procedimentos, a pesquisa teve as seguintes etapas: revisão da literatura; estudo da legislação; conhecimento do contexto; aprofundamento dos conceitos; coleta de dados; análise dos dados. Como mencionado acima, as entrevistas foram realizadas com dois familiares e um aluno egresso. Já o questionário foi aplicado à professora da SRM.

A análise considerou o conteúdo articulado aos dados, à luz do campo conceitual da educação na perspectiva inclusiva, e a organização se deu no exercício de manuseio do material coletado. As categorias analíticas emergiram do cruzamento das concepções de educação inclusiva e de AEE, com os dados descritos.

As informações levantadas foram consideradas importantes para a compreensão dos estudos de caso dos alunos egressos e ajudaram na descrição dos fatos sociais do contexto da pesquisa. O trabalho levou em conta a perspectiva que os sujeitos pesquisados têm sobre o objeto de estudo, devendo preponderar a fidedignidade dessas informações obtidas (Ferreira, 2015). O processo de análise foi gerado de uma sequência de atividades que abrangem a redução dos dados, bem como a sua classificação e interpretação (Gil, 2002).

Quanto aos sujeitos da pesquisa, o Egresso I iniciou seus estudos na EMEF AA no ano de 2005. Ele frequentou a Sala de Recursos antes de ser SRM, desde o ato da matrícula, e recebeu atendimento especializado com a professora responsável pelo AEE do ano de 2006 até o ano de 2008. Iniciou seus estudos na EMEF AA no terceiro ano do ensino fundamental, permanecendo até o quinto ano, e saiu da escola no sexto ano do ensino fundamental, em 2011.

O Egresso I tem dezoito anos e pediu para participar da entre- vista junto com sua mãe. Segundo a mãe, o parto foi demorado, e ele demonstrou imperfeições físicas nos pés. Os familiares também perceberam que o estrabismo continuava com oito meses de idade, quando passou a usar óculos. Passou por uma cirurgia quando tinha três anos, e com cinco anos ainda não compreendia algumas regras. Frequentou a educação infantil desde os oito meses de idade em outra cidade.

A professora do AEE encaminhou os familiares do Egresso I ao neuropediatra, que percebeu a deficiência intelectual (DI) e hiperatividade. Fez uso contínuo de medicamentos para não ter convulsões durante o período escolar. Durante o período em que frequentou a EMEF AA, ficou quase 30 dias internado no hospital devido a uma crise convulsiva e, nesse ano, repro- vou. Teve boa adaptação em todas as escolas que frequentou. O egresso afirmou ter muito interesse em trabalhar, já tentou um vestibular em uma universidade privada e pensa em cursar o ensino superior.

A professora do AEE que respondeu ao questionário atendeu aos Egressos I e II por sete e por três anos, respectivamente, e promoveu as articulações com os familiares deles. O critério para a escolha dos familiares participantes foi a indicação pela professora do AEE, devido à facilidade do acesso a esses sujeitos e seus respectivos aceite. Foram convidadas duas famílias de alunos que frequentaram a SRM na escola e no AEE com assiduidade nos últimos dez anos, acreditando que essas famílias estão acompanhando a continuidade dos estudos dos educandos. Compreendeu-se que os familiares são sujeitos fundamentais na trajetória escolar dos alunos.

O Egresso II tem, no momento da escrita deste artigo, dezenove anos. Sua trajetória escolar iniciou com dez meses, na educação infantil, na escola que pertencia à sua mãe. Adaptou-se muito bem nesse primeiro momento e, mais tarde, frequentou duas escolas particulares. Nessas novas escolas, a mãe do egresso relata que “o ensino de inclusão não era de inclusão. Era uma coisa paralela” (Familiar Egresso II). Uma das escolas não tinha rampa para cadeirante e nenhuma tinha o serviço de apoio na SRM. O educando ficava com professor auxiliar separado da turma, realizando atividades repetitivas.

O Familiar do Egresso II afirmou ainda que seu filho reprovou alguns anos nessas escolas particulares. Depois dessas expe- riências, frequentou a EMEF AA, onde conseguiu avançar no processo de alfabetização. Concluiu o ensino fundamental com muito esforço, e os familiares o matricularam no ensi- no médio. O Egresso II afirma atualmente que não pretende frequentar universidade e que não quer trabalhar. Porém, pre- tende continuar frequentando a escola especial na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), onde atualmente está matriculado.

Buscou-se traçar um conjunto de elementos quanto à continuidade dos estudos em outros níveis de ensino, outras redes escolares e instituições, observando também se há expectativa de inserção no mercado de trabalho. Levou-se em conta que pesquisar o AEE e a relação com os familiares de ex-alunos atendidos exige o envolvimento do pesquisador com os entrevistados, interagindo de forma compromissada com a prática.

Impactos do AEE na Trajetória Subsequente de Egressos desse Serviço

Os dados foram analisados, tendo como fio condutor os conceitos de inclusão escolar e política educacional, compre- endidos especialmente nas dimensões dos órgãos educacionais e da escola (Mantoan, 2015; Carvalho, 2012; Veiga-Neto, 2005 e Lopes, 2011). O outro conceito que apoiou a análise é o AEE na compreensão da PNEE-PEI. A partir dos dados, foi possível elencar duas categorias: uma dá ênfase à trajetória dos egressos do AEE e a outra dá importância à concepção dos familiares em relação ao AEE.

O exercício analítico percorre as trajetórias escolares dos educandos egressos da SRM da EMEF AA, olhando para os dizeres tanto dos familiares quanto de um deles sobre experiências e expectativas em relação ao AEE. Percorre também o olhar especializado da professora do AEE, enfatizando o período de atendimento dos educandos.

Trajetória dos Egressos do AEE

Ao analisar as trajetórias escolares dos educandos, podemos perceber interrupções, repetições escolares e práticas entendidas como inclusivas, tanto pelos familiares quanto pelo egresso participante, que influenciaram na trajetória escolar e pós- escolar. Consideramos que essas trajetórias tiveram importante significado para os egressos na medida em que os motivaram a dar continuidade e a estabelecer relações com aprendizagens dos processos de escolarização.

Conforme a mãe do Egresso I, ele “nasceu com os pés tortos [e] estrabismo” (Familiar Egresso I). Observa-se que a sua infância foi de acompanhamento tanto na área da saúde quanto na área da educação, por ter passado por cirurgia corretiva e necessi- dade de usar óculos ainda com oito meses, e ter passado por episódios de crises convulsivas e hospitalização.

Ele iniciou sua escolarização na EMEF AA com cinco anos de idade, na educação infantil, “e já nesse período ingressou na SRM” (Familiar Egresso I, 2018). A escola, ao perceber que o aluno não estava correspondendo às expectativas curriculares para a faixa etária, encaminhou “à avaliação com neuropediatra em 2009” (Familiar Egresso I, 2018). Percebe- se que a escolarização com serviço de apoio do Egresso I teve continuidade, com acompanhamento por parte da família e da escola, com episódios de encaminhamentos, atendimentos, conflitos e articulações diversas. Consequentemente, chegou ao ensino médio com desejos de continuar os estudos.

O espaço escolar, onde a política educacional se desdobra, é justamente a articulação entre o nível da macropolítica (com leis e regulamentos, com o nível da micropolítica, que é a sala de aula (Carvalho, 2012). É um espaço de muitas possibilidades, mas ao mesmo tempo, de muitas dificuldades, especialmente considerando a trajetória do Egresso I.

A PNEE-PEI problematiza práticas que historicamente segrega- ram as pessoas com deficiência e pressupunham a “seleção, naturalizando o fracasso escolar” (Brasil, 2008, p. 1). A PNEE- PEI e as leis correspondentes definem a educação especial como transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, isto é, os sujeitos com deficiência precisam ter possibilidade de concluir as etapas escolares e seguir aos níveis ulteriores, com chances inclusive de ingressar no mercado de trabalho.

Em relação ao significado que os familiares dão para o AEE, evidencia-se que, de modo geral, o AEE contribuiu com a continuidade dos estudantes. Ao serem questionados sobre a importância dos atendimentos da SRM na trajetória escolar do Egresso I, tanto a mãe (Familiar Egresso I) quanto o egresso colocam-na de maneira positiva. A mãe afirma que, quando o educando saiu da escola, no sexto ano, na outra escola munici- pal também havia SRM até a conclusão do nono ano. Ao mudar de escola, o educando se adaptou bem, inclusive ao atendimen- to na SRM. A mãe mostra ainda satisfação com a escolarização atual do Egresso I, que está no último ano do ensino médio, evidenciando que a professora aborda atividades que envolvem o cotidiano e jogos de raciocínio lógico. O Egresso I manifesta a relação com seus interesses:

Acho melhor para a vida (...) essa professora traz coisas para a realidade e para eu saber usar dinheiro que é importante para ter um emprego, trabalho, coisas, para a realidade, para saber usar dinheiro, que é importante para eu ter um emprego. (Egresso I, 2018)

O Familiar Egresso II também considera que os atendimentos na SRM foram importantes para a aprendizagem e para a trajetória escolar como um todo:

Ele na época, ia no período de aula (duas horas semanais). Foi alfabetizado com objetos adaptados. Ele tinha miopia. Tinha teclado adaptado, materiais concretos com fonte de letras maiores e profissional especializado na Sala de Recursos. Ele tinha passado por duas escolas particulares, mas se alfabetizou dentro da SRM na escola municipal. Mesmo não sendo morador do bairro, pesquisei na SMED qual escola tinha SRM e me indicaram lá. Depois que saiu de lá, ficou mais dois anos em outra escola municipal, no oitavo e nono ano. Ele aprendeu muitas coisas lá. Jogava dominós, outros jogos. A SRM era um lugar bonito, agradável. Foi essencial. Para ele foi crucial. (Familiar Egresso II, 2018)

Os recursos citados pelo familiar do Egresso II utilizados na SRM estão previstos também na Resolução nº 04/2009, que determina a função do AEE como complementar e suplementar à formação do educando, possibilitando recursos de acessibilidade e estratégias que suprimam as barreiras para sua participação na sociedade, com foco na aprendizagem. Nessa perspectiva, a SRM busca equidade de condições de aprendizagens e procura assegurar condições de acesso ao currículo dos educandos com deficiência, permitindo a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos, mobiliários, sistemas de comunicação e informação (Brasil, 2009), possibilitando o acesso a um ambiente inclusivo.

A professora do AEE (2018) afirma que as duas famílias informaram, no ato da matrícula, que os educandos —hoje egressos— seriam público da educação especial e frequentaram a SRM desde o início das aulas na EMEF AA. Sobre o Egresso II, ela destacou a realização de trabalhos com músicas e vídeos dos cantores que ele apreciava, buscando adaptar recursos e materiais. Segundo ela, um monitor que realizava o serviço de apoio “trabalhava também, ajudava em sala de aula, isso depois de ele ser aluno das professoras BB e CC” [cita quando o menino teve a experiência de ter duas professoras na sala, no último ano na escola].

Como estratégias para ampliar a aprendizagem do Egresso II, a professora do AEE descreveu: “teve engrossador de lápis, com- putador na sala de aula conforme professora de sala de aula e apoio. Fazemos formação mensal com apoiadores e discuti- mos vínculos com professor” (Professora do AEE, 2018). O AEE permite que os educandos participem de um espaço inclusivo, reconhecidos em suas diferenças, valorizando suas potenciali- dades, “com direito a aprender em benefício da qualidade de suas vidas e para se tornarem cidadãos contributivos para a so- ciedade” (Carvalho, 2012, p. 54).

Na perspectiva de AEE, o Egresso I demonstra que o atendimento em que participa atualmente, no segundo ano do ensino médio, permite um trabalho de mediação de aprendizagens. Assim, ele pode estabelecer relações com aprendizagens anteriores, rompendo a lógica fragmentada e garantindo articulações em uma perspectiva da diversidade, o que se evidencia quando ele enfatiza a importância da escola para conseguir um emprego e obter seu salário (Egresso I, 2018).

Na EMEF AA, desde que atua na escola, a professora do AEE e da SRM afirma que conviveu com equipes diretivas que foram acolhedoras para a inclusão e sempre entenderam as questões individuais de todos os alunos (com e sem deficiência) e professores. Ela atua no AEE desde a implantação das SRM no município até a atualidade.

Os dados evidenciam que o AEE ofertado na SRM da EMEF AA atendeu ao previsto na legislação, em turno inverso, como complementação e suplementação à formação do educan- do, ampliando suas aprendizagens e assegurando adaptações curriculares para os alunos com deficiência, por meio da uti- lização dos materiais didáticos e pedagógicos (Brasil, 2009). Desse modo, o AEE possibilita a adoção de práticas pedagógicas inclusivas que permitam a permanência dos educandos com de- ficiência na escola.

Concepções dos Familiares em Relação Ao AEE

Nos depoimentos dos familiares, percebe-se que ambos con- sideram os atendimentos importantes em algum momento, na trajetória escolar dos seus filhos.

O Egresso I afirma querer cursar universidade e que já tentou vestibular. O familiar refere que há a expectativa de ele se inse- rir no mercado de trabalho, como alguns de seus colegas que já estão trabalhando e fazendo planos. Pensa ainda que há pos- sibilidades de estabelecer esse vínculo com possíveis empresas que empregam pessoas com deficiência (Familiar Egresso I).

O Egresso II concluiu o ensino fundamental com muitas dificuldades de adaptação após sair do ensino municipal (no sétimo ano). A família novamente tentou inseri-lo em escolas particulares, sem sucesso de adaptação e inclusão. Hoje frequenta a escola especial, e o familiar afirma que ele “está feliz”. Ainda não pensa em fazer universidade nem manifestou desejo de trabalhar. Afirma querer frequentar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na escola especial que frequenta (Familiar Egresso II).

Esses relatos sugerem que o sistema da educação pública mu- nicipal aparentemente cumpriu com as diretrizes operacionais, possibilitando ao Egresso II, então aluno, obter sucesso na sua trajetória escolar. Contudo, ao buscar continuidade, não lhe foi oferecida a oportunidade de dar sequência aos estudos, o que aponta que a política não teve o alcance preconizado na legislação.

Na perspectiva da educação inclusiva, percebemos as adaptações e os recursos utilizados pela professora do AEE participante da pesquisa como estratégia para qualificar e ampliar as aprendizagens do Egresso I. Esse processo teve, inclusive, a participação da equipe diretiva, confirmando a ampliação e articulação de práticas educativas.

Na SRM foi realizado o Plano de Atendimento do AEE (PAEE), partindo do plano de estudos da turma. Também foi realizada a adaptação curricular com a participação da professora de sala comum, a coordenadora pedagógica e a professora da SRM. As estratégias de intervenção aplicadas na SRM foram o uso de tec- nologia assistiva e jogos que estimulassem o raciocínio lógico, a alfabetização, a escrita, a leitura etc. O computador também foi introduzido na sala de aula comum. Igualmente, foi mantido contato com a família e com os professores (Professora, 2018).

A LDBEN reconhece que a educação envolve os processos formativos que se ampliam nas mais distintas esferas de convivência social e que a educação escolar deve vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. As finalidades da educação nacional focam o amplo desenvolvimento do educando para seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1996).

Relacionamos as continuidades e descontinuidades evidencia- das nas trajetórias dos egressos ao que Lopes (2011) analisa em relação às condições de possibilidades que permitem as práticas de in/exclusão. Isso ocorre quando os sistemas de ensino de- positam no próprio sujeito a incapacidade de continuar nesse sistema, que passa a acreditar ser ele o culpado do seu fracasso.

Considerações Finais

Retomando a questão de pesquisa, que buscou analisar o AEE e seus impactos na trajetória escolar subsequente de alunos com deficiência, participantes desse serviço de apoio e egressos de uma escola pública de ensino fundamental, ressaltamos algumas considerações que remontam à existência de práticas que marcam seus efeitos.

Foi possível evidenciar que o AEE ofertado aos Egressos I e II impactou as trajetórias subsequentes dos alunos, destacando o cumprimento da legislação. Nesse campo da legislação que se refere à política pública da gestão educacional, o AEE na SRM na escola foi garantido no turno inverso, promovendo estratégias para a promoção de igualdade de oportunidades na relação da dimensão macropolítica com a micropolítica.

No nível mesopolítico, evidenciaram-se as condições ofe- recidas pela escola para atender às demandas dos Egressos I e II, registradas nas entrevistas, bem como a construção de uma escola inclusiva e da participação das equipes diretivas, mencionadas pela professora do AEE. Por outro lado, eviden- cia-se que a trajetória subsequente do aluno com deficiência depende de como os espaços que vão receber esses sujeitos—como escolas de ensino médio e postos de trabalho— atendem às necessidades específicas previstas na legislação.

Analisando o contexto na dimensão do nível micropolítico, sala de aula e sala de SRM, observou-se que os Egressos I e II tiveram apoiadores na escola, receberam estratégias de tecnologia assistiva e materiais adaptados, como os mencionados pela professora. Também foi um diferencial a realização de reuniões mensais com os familiares dos Egressos I e II, para estabelecer estratégias de aprendizagem e exercício da autonomia. Ambos os egressos da escola pública de ensino fundamental receberam atendimento na SRM desde o ato da matrícula.

Ações pedagógicas como reuniões mensais com apoiadores, professores da sala de aula comum e professora do AEE con- tribuíram para práticas pedagógicas inclusivas no ambiente escolar, assegurando respeito aos educandos com deficiência. Acredita-se que essas ações auxiliam na garantia dos direitos de aprendizagem de forma mais significativa, ajudam a com- bater o fracasso escolar, colaboram com a continuidade dos estudos dos educandos e, por conseguinte, contribuem nas possibilidades de adentrar no campo profissional. Contudo, a ruptura com os estudos e a dificuldade de ingresso no mer- cado de trabalho marcam também que as políticas públicas permitem práticas de in/exclusão cuja responsabilidade recai sobre o próprio egresso ou seus familiares, e não sobre os sistemas que falham.

Notas al pie

1 Artigo produzido como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Atendimento Educacional Especializado, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, 2018.

2 Doravante será usada a sigla SRM para designar a Sala de Recursos Multi- funcional.

3 “Significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” (Brasil, 2019).


Referências

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