Artículo de Investigación

Enquadramento e processos de midiatização na construção e interpretação de realidades dos brasileiros no exterior

Frame and mediatization processes in the construction and realities interpretation of Brazilians abroad

Procesos de marcos y mediatización en la construcción e interpretación de realidades de los Brasileños en el exterior

Camila Escudero
Universidad Metodista de São Paulo, Brasil

Mediaciones

Corporación Universitaria Minuto de Dios, Colombia

ISSN: 1692-5688

ISSN-e: 2590-8057

Periodicidade: Bianual

vol. 19, núm. 30, 2023

mediaciones@uniminuto.edu

Recepção: 25 Julho 2022

Aprovação: 21 Novembro 2022



DOI: https://doi.org/10.26620/uniminuto.mediaciones.19.30.2023.279-297

©Corporación Universitaria Minuto de Dios – UNIMINUTO

Cómo citar: Escudero, C. (2023). Enquadramento e processos de midiatização na construção e interpretação de realidades dos brasileiros no exterior. Mediaciones, 30(19), pp.279-297.

Resumo: O objetivo deste trabalho é compreender como as notícias sobre emigrantes brasileiros são elaboradas a partir de um enquadramento mediatizado capaz de atribuir a uma situação e seus envolvidos características e valores, criando elementos para interpretação de uma realidade. Assim, realizamos uma análise de conteúdo – de abordagem quantitativa e qualitativa com categorias baseadas na perspectiva de enquadramento noticioso, temático e episódico e no conceito de mediatização –, de matérias e reportagens sobre brasileiros que vivem no exterior publicadas nos portais G1 e UOL, de maio de 2021 a maio de 2022. O estudo evidenciou fragilidades e potencialidades dos processos migratórios, não, necessariamente, de maneira equilibrada e explícita. Isso significa dizer que, por meio das notícias construídas a partir de processos de apropriação e recorte dos fatos, bem como de lógicas relacionadas à midiatização, expõe-se a temática constituindo um campo simbólico de conhecimento que colabora para a construção de estruturas cognitivas e interpretativas sobre a realidade envolvida.

Palavras-chave: comunicação, enquadramento, midiatização, emigrantes brasileiros, processos migratórios.

Abstract: The goal of this paper is to understand how the news about Brazilian emigrants are elaborated from a mediatized frame able to attributing to a situation and its involved characteristics and values, ​creating elements for the interpretation of a reality. Thus, we did a content analysis – of quantitative and qualitative approach, with categories based on the perspective of news, thematic and episodic frames and on the concept of mediatization –, using articles about Brazilians living abroad published on the G1 and UOL portals, during 2021/2022. The study showed weaknesses and potentialities of migratory processes, not necessarily in a balanced and explicit way. This means that, through the news constructed from processes of appropriation and clipping of facts, as well as logics related to mediatization, the theme is exposed, constituting a symbolic field of knowledge that collaborates for the construction of structures and interpretations about the reality.

Keywords: communication, frames, mediatization, Brazilian emigrants, migration processes.

Resumen: El objetivo de este trabajo es comprender cómo las noticias sobre los emigrantes brasileños se elaboran a partir de un marco mediatizado (frame) capaz de atribuir características y valores a una situación y a sus involucrados, creando elementos para la interpretación de una realidad. Para ello, realizamos un análisis de contenido – de abordaje cuantitativo y cualitativo, con categorías basadas en la perspectiva de los marcos noticioso, temático y episódico y, en el concepto de mediatización –, de artículos y reportajes sobre brasileños residentes en el exterior publicados en los portables G1 y UOL, durante 2021/2022. El estudio mostró debilidades y potencialidades de los procesos migratorios, no necesariamente de manera equilibrada y explícita. Es decir que, a través de las noticias construidas a partir de procesos de apropiación y recorte de eventos, así como de lógicas relacionadas con la mediatización, se expone el tema para construir un campo simbólico de conocimiento que sustenta estructuras cognitivas e interpretativas sobre la realidad en cuestión.

Palabras clave: comunicación, marcos (frames), mediatización, emigrantes brasileños, procesos de migración.

Introdução

Em sua obra clássica A mídia e a modernidade, Thompson (2014) afirma que a visibilidade mediada não é somente um veículo pelo qual diferentes aspectos da vida cotidiana passam a ser foco da atenção social. “Ela se transformou em um meio principal para a articulação e realização das principais lutas sociais e políticas de nossa época” (Thompson, 2014, pp.19-20). É nesse sentido que procuramos unir neste trabalho a questão midiática com as migrações internacionais contemporâneas. Isso, porque, os processos de deslocamento humano têm se tornado, na geopolítica do planeta organizada em formas de Estados-Nação, uma verdadeira luta pelo “simples” direito humano de ir e vir.

Autores como Sayad (1998), Eco (2020), Kristeva (1994), entre muitos outros, já se debruçaram com maestria sobre as inúmeras consequências para o sujeito migrante de princípios soberanistas que fundamentam a recusa de entrada de pessoas em determinado território. Em palavras de Di Cesari (2020, p.186): “A migração é ilegítima – em ambas as suas fases, seja como emigração ou imigração. Não há discurso, sempre na ótica do pensamento estadocêntrico, que possa endossá-la, nem na melhor das intenções”. É assim que o migrante se torna um clandestino, condenado à invisibilidade: o “homem marginal”, de Park (2017), e “o estrangeiro”, de Simmel (2005). “Um criminoso em potencial, o bandido sorrateiro, o terrorista implícito, o inimigo oculto. É o hóspede-fantasma, e nenhuma lei (...) pode torná-lo um vizinho, um semelhante, um próximo”. (Di Cesari, 2020, p.189)

No Brasil, a questão migratória é intrínseca à própria formação do país como nação. Está presente desde a chegada dos primeiros estrangeiros europeus e povos africanos em processos violentos de colonização; na chamada grande corrente migratória, do fim do Século XIX e início do XX – responsável pela entrada no país de mais de quatro milhões de europeus, japoneses e árabes, principalmente; ou, mais, recentemente, no contexto da mobilidade Sul-Sul, quando ganhou destaque a chegada ao país de bolivianos, haitianos, congoleses, senegaleses, venezuelanos, entre outros. Foi assim que o Brasil ficou conhecido como um país receptor de migrantes. No entanto, nos anos 1980, têm início os fluxos de brasileiros para o exterior, tão significativos, que fazem do Brasil, atualmente, um país emissor de migrantes. Para se ter uma ideia, em 2020, o Brasil tinha 1,3 milhão de imigrantes internacionais vivendo em seu território (OBMigra, 2021) contra 4.215.800 (MRE, 2021) emigrantes, ou seja, brasileiros vivendo em outros países.

O fato é que, com exceção de estudos acadêmicos e de algum material do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty (MRE), de organismos internacionais ou de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que trabalham com essa temática, a realidade vivida por esses brasileiros no exterior não é conhecida no Brasil. De maneira geral, recebe-se informações sobre esse grupo por meio de relações individuais e pessoais – no caso de quem tem familiares, amigos, ou conhecidos emigrantes e mantém vínculos – ou pela mídia.

Alguns filmes, documentários e até telenovelas já exploraram a temática. É o caso do longa metragem Jean Charles (2009), do documentário Soldado estrangeiro (2019) e das telenovelas América (2005) e Pátria minha (1994). Entretanto, são os jornais e o noticiário cotidiano os grandes responsáveis pelo que podemos chamar de visibilidade mediada sobre os brasileiros no exterior. Isso significa que, por meio das notícias construídas a partir de processos de apropriação e recorte dos fatos, bem como de lógicas relacionadas à midiatização, expõe-se o ocorrido constituindo um campo simbólico de conhecimento capaz de sustentar estruturas cognitivas e interpretativas sobre tal acontecimento.

Dessa maneira, o objetivo deste trabalho é compreender como as notícias sobre os brasileiros no exterior são elaboradas a partir de um enquadramento mediatizado capaz de atribuir à uma situação e seus envolvidos características e valores que acabam por criar elementos de interpretação de uma realidade [1]. É explorar o aspecto que Thompson (2014, p.35) classifica como “fundamentalmente cultural” da mídia, ou seja, o caráter significativo das formas simbólicas quanto a sua contextualização social.

Para isso, propomos o estudo de um corpus que compreende matérias e reportagens publicadas sobre a temática de emigrantes brasileiros em dois grandes portais de notícias nacionais: G1 e UOL, de maio de 2021 a maio de 2022, período já considerado de maior flexibilização da situação de pandemia por Covid-19, responsável pelo fechamento de fronteiras e restrições de circulação de pessoas, com a necessidade de isolamento social.

Como recurso teórico metodológico, utilizamos as ideias de enquadramento noticioso (Porto, 2002) e enquadramento temático e episódico de (Iyengar, 1990), aliadas à análise de conteúdo realizada a partir das considerações de Bardin (1977). Nosso foco foi fazer uma sistematização do conteúdo publicado sobre a temática da emigração brasileira capaz de revelar padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados na construção das notícias, refletindo não só a tendência geral do assunto noticiado, mas, também, relacionando o tema em termos das experiências proporcionadas pelos portais.

Este texto está dividido em quatro partes, para além desta introdução. Na primeira, propomos uma contextualização do tema dos brasileiros no exterior, para melhor compreensão do nosso objeto de estudo. Na segunda, apresentamos, por meio de uma breve revisão de literatura, o conceito de enquadramento midiático. Na terceira, detalhamos todo o percurso de análise e principais achados. Nas considerações finais, última parte, procuramos destacar alguns resultados, bem como apontar caminhos para aprofundamento da temática.

Brasileiros no exterior: breve contextualização

Conforme dissemos anteriormente, estimativas do Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, dão conta de que, em 2020, viviam no exterior 4.215.800 brasileiros (MRE, 2021). Se fosse considerado um estado brasileiro, em números populacionais, seria o equivalente, mais ou menos, ao estado do Amazonas ou do Espírito Santo, com 4.269.995 e 4.108.508 habitantes, respectivamente (IBGE, 2013). Os principais países de destino dessa população são: Estados Unidos (1.775.000), Portugal (276.200), Paraguai (240.000), Reino Unido (220.000) e Japão (211.138).

TABELA 1
TABELA 1

Quantidade de brasileiros por Continente/Região (2020)

MRE (2021, p.2

Tabela 2
Tabela 2

Maiores comunidades brasileiras por país (2020)

MRE (2021).

Tabela 3
Tabela 3

Evolução da quantidade de brasileiros no exterior ao longo do tempo

MRE (2021, p.4).

Em termos econômicos, os envios e recebimentos de dinheiro realizados por brasileiros, em 2021, chegaram a US$ 5,520 bilhões, superando em 15,4% a movimentação realizada no ano anterior. Do total, o volume de US$ 1,599 bilhão foi enviado ao exterior a cifra de US$ 3,921 bilhões recebida, representando uma alta de 8,69% e 18,39%, respectivamente.

Figura 1
Figura 1

Transferências de dinheiro internacionais por pessoas físicas

Jornal Contábil / Dados Banco Central do Brasil (2022)

Em estudo anterior, publicado pela Organização Internacional das Migrações (OIM, 2022), estabelecemos uma linha temporal e cronológica, reunindo os principais marcos da evolução da emigração brasileira em fases compreendidas em décadas. Trata-se de uma breve organização temática, para fins de contextualização.

Figura 2
Figura 2
Autoria própria

Sobre o perfil atual dessa população, sabe-se que é heterogêneo e muito relacionado às condições sociais e econômicas dos estados de origem e as características do país de destino, simultaneamente, como, por exemplo, a legislação para regularização do imigrante e vínculos históricos ou sociais. De maneira geral, é possível dizer que a questão do trabalho e a busca por melhores condições de vida, ainda são os fatores predominantes de motivação da ida de brasileiros para o exterior. Além disso, verifica-se um nível de escolaridade relativamente alto, pessoas oriundas de classe média – que têm algum recurso financeiro, ainda que não tenham licença para trabalhar em outro país –, saída, inclusive, de grandes cidades e capitais e um desejo de retorno menos explícito. Destaque ainda para o protagonismo da mulher no processo de deslocamento – arrimo de família nas classes baixas; independência e empoderamento, nas classes mais altas –, a emigração da família toda e a existência de novas gerações que “são brasileiras, mas nunca estiveram no Brasil”, caso de filhos e netos da primeira leva de emigrantes. (OIM, 2022)

Enquadramento midiático e visibilidade mediada

A origem do conceito de enquadramento parece estar localizada no campo da Psicologia, em especial com os estudos de Bateson (1987) e sua ideia de frame. No entanto, é consenso entre estudiosos da temática (Entman, 1993; Porto, 2002; Rothberg, 2007; Sheufele, 1999; Mendonça e Simões, 2012; Samsudin, 2019) que a inserção do termo nas Ciências Humanas e Sociais se deu a partir de Goffman (1986), que o sistematizou entendendo-o como princípio de organização das interações sociais. No campo da Comunicação, Tuchman (1993) é considerada a pioneira no assunto, ao propor em seu livro Making News, de 1978, que as notícias são “uma janela para o mundo” e carregam em si enquadramentos que definem e constroem uma realidade

Nesse sentido, Entman (1993) é apontado como um dos principais autores a tentar reunir os aspectos mais relevantes do enquadramento midiático, no contexto da produção da notícia.

Enquadrar é selecionar alguns aspectos da realidade percebida e torná-los salientes em um texto comunicativo, de modo a promover uma definição particular de um problema, interpretação causal, avaliação moral ou recomendação de tratamento para o item descrito. (Entman, 1993, p.52)

No entanto, cabe ressaltar, ainda segundo Porto (2002), que o enquadramento é apropriado, também, para os estudos de recepção do conteúdo noticioso e sobre os efeitos da mídia. O autor cita exemplos de pesquisas sobre o enquadramento da mass media nos entendimentos da audiência sobre temas políticos e relacionados aos movimentos sociais.

A hipótese do enquadramento mostra que, a longo prazo, há uma tendência dos receptores e da mídia a pensarem de maneira semelhante. O público tende a usar referências provenientes das mensagens dos meios de comunicação. Dessa maneira, o modo como a mídia trata um determinado assunto deixa de ser vista como uma escolha arbitrária na medida em que o público compartilha as mesmas referências. (Martino, 2014, p.47)

A partir de uma revisão dos modelos de análise de enquadramento midiático, Samsudin (2019) propõe como alternativa para contornar essa questão do uso abrangente e não-estruturado do conceito, foco em diferentes propostas derivadas de diversas formas de estudos contextualizados em seus significados filosóficos e epistemológicos. “Basicamente, os estudos sobre enquadramento de mídia não são apenas teóricos, mas também incluem uma abordagem analítica ao conteúdo da mídia” (Samsudin, 2019, p.385, tradução nossa). Nesse sentido, o autor descreve oito níveis ou modelos de abordagens qualitativas e quantitativas a serem seguidos: 1) Estrutura interna do “media package”; 2) Estruturas episódicas e temáticas; 3) Multidimensional; 4) Estrutura discursiva da notícia; 5) Categorização; 6) Quatro funções do framing; 7) Abordagem dedutiva; e, finalmente, 8) Lista de frames.

Na verdade, a teoria do enquadramento enquanto recurso teórico-metodológico para processos de midiatização pressupõe a existência de uma técnica complementar de pesquisa. Independentemente do objeto de estudo ou da perspectiva, que Samsudin (2019) classifica de modelos, há que priorizar o rigor científico na especificação de diferentes níveis de análise e, consequentemente, na definição clara dos diversos tipos de enquadramento.

Sem este tipo de método, pesquisadores tendem a encontrar os enquadramentos que procuram ou que comprovam suas hipóteses, ignorando evidências contrárias importantes (...). É preciso, portanto, desenvolver métodos de análise mais sistemáticos e menos subjetivos. (Porto, 2002, p.18)

Soma-se a isso – parece óbvio, mas é preciso considerar –, a importância do enquadramento no contexto de midiatização, entendida como a articulação de organizações e instituições com os dispositivos de informação (Sodré, 2021, p.25), em última instância, uma precondição de sistemas sociais complexos.

A midiatização certamente não é um processo universal que caracteriza todas as sociedades humanas, do passado e do presente, mas é, mesmo assim, um resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica, mais precisamente, sua capacidade de semiose. Essa capacidade foi progressivamente ativada, por diversas razões, em uma variedade de contextos históricos e tem, portanto, tomado diferentes formas. (Verón, 2014, p.14)

Dessa forma, enfatizamos a vertente cultural da mídia, proposta por Thompson, para além de aparatos técnicos destinados à emissão e recepção de mensagem. De acordo com o autor, é fundamental considerar a dimensão simbólica dos meios de comunicação, bem como enfatizar que a comunicação mediada é sempre um fenômeno social contextualizado: “eles [os meios de comunicação] se relacionam com a produção, o armazenamento e a circulação de materiais que são significativos para os indivíduos que os produzem e os recebem” (Thompson, 2014, p.35) em contextos sociais diversos, estruturados de múltiplas maneiras “e que, por sua vez, produzem impacto na comunicação que ocorre”. (Thompson, 2014, p.36)

A apropriação das formas simbólicas – e em particular, das mensagens transmitidas pelos produtos de mídia – é um processo que pode se estender muito além do contexto inicial da atividade de recepção. (...) [Implica o envolvimento do indivíduo] num processo de formação pessoal e de autocompreensão – embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais. (Thompson, 2014, pp.70-71)

Especificamente sobre a temática da migração e mídia, foco deste trabalho, diversos pesquisadores já se debruçaram sobre o assunto. No contexto brasileiro, são destaques os trabalhos de Denise Cogo que, entre várias pesquisas, propõe compreender as inter-relações entre processos de midiatização, experiência imigratória e interculturalidade, bem como realiza estudos críticos do discurso sobre narrativas midiáticas envolvendo processos de deslocamento (Cogo, 2001, 2006; Cogo e Badet, 2013). Há ainda trabalhos de autores como ElHajji (2011, 2014), Brignol (2010), Escudero (2007, 2017), entre outros, que têm trabalhado a relação de mídia e migração a partir dos preceitos das mediações culturais e da comunicação comunitária, principalmente. Ressalta-se, ainda, trabalhos mais pontuais, como o de Henriques, Gonçalvez e Magnolo (2020) sobre a representação do imigrante no discurso público midiático brasileiro; de Hoffmann e Roesler (2017), sobre a construção da representação social dos refugiados no Brasil por meio de análise da mídia digital e, mais recentemente, de Brasil (2021), que busca demonstrar o papel da mídia nas práticas discriminatórias dirigidas aos migrantes no contexto da pandemia de Covid-19.

O que mostram as notícias sobre brasileiros no exterior

Conforme visto anteriormente, existem vários modelos ou níveis de enquadramento midiático. Em nossa análise, priorizamos o enquadramento noticioso indicado por Porto (2002) em consonância à proposta de Iyvengar (1990), sobre enquadramento temático e enquadramento episódico. De acordo com o primeiro autor, enquadramentos noticiosos são

padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão dos jornalistas, este seria o ‘ângulo da notícia’, o ponto de vista adotado pelo texto noticioso que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento de outros. [...] Uma característica importante dos enquadramentos noticiosos é o fato de que eles são resultado de escolhas feitas por jornalistas quanto ao formato das matérias, escolhas estas que têm como conseqüência a ênfase seletiva em determinados aspectos de uma realidade percebida. (Porto, 2002, p.15)

Já Iyengar (1990) detalha que o enquadramento temático se refere à tendência geral da notícia; o enquadramento episódico, por sua vez, se concentra em aspectos relacionados às informações que serviram para a identificação da tendência geral, mais perspectivas específicas. “O enquadramento temático é essencialmente a história de fundo (...) na qual o objeto da cobertura é abstrato e impessoal” (Iyengar, 1990, p. 22, tradução nossa). Já o enquadro episódico traz o contraste, ou seja, aborda o tema em termos da experiência das pessoas envolvidas ou do episódio. A informação visualizada “é fornecida por uma instância particular”. (Iyengar, 1990, p.22, –tradução nossa)

Assim, propomos uma análise de conteúdo, de abordagem quantitativa e qualitativa, com o objetivo de identificar qual é o enquadramento feito nas notícias publicadas sobre brasileiros no exterior pela mídia brasileira. Seguimos as orientações de Bardin (1977).

Nosso corpus é formado por notícias – do gênero de matérias e reportagens (Melo e Assis, 2016)[2], independentemente do formato: vídeo, áudio, texto e fotografias, sobre a temática de emigrantes brasileiros publicadas em dois grandes portais de notícias nacionais: G1 e UOL, com recorte temporal de maio de 2021 a maio de 2022. O período escolhido foi justamente a partir do início da flexibilização das restrições sanitárias da pandemia de Covid-19, com o avanço da vacinação em massa, fase em que foram retomados o fluxo de pessoas e a abertura de fronteiras, elementos essenciais para a discussão dos deslocamentos humanos

A pesquisa para identificação dessas notícias foi realizada a partir de mecanismos de busca simples, presentes nos dois portais por palavras-chave do tipo: brasileiros no exterior, brasileiros em outro(s) país(es), migrantes brasileiros, e emigrantes. Foram excluídas as matérias e reportagens sobre turistas brasileiros no exterior. Assim, identificamos nesse período 47 notícias sobre brasileiros no exterior, sendo 33 no G1 e 14 no UOL [3]. Destaca-se que, por se tratarem de portais noticiosos, o conteúdo publicado não é elaborado exclusivamente por jornalistas e colaboradores dessas duas empresas de mídia, e seus diferentes meios/produtos, mas, também, provém de agências internacionais de notícias e demais meios de informação, como BBC, Deutsche Welle, Estadão conteúdo, Jornal da Band, entre outros, o que nos dá uma ideia de que as mesmas notícias analisadas aqui foram divulgadas em outros canais.

Nosso corpus de análise foi dividido em duas unidades de registros: 1) Conteúdo e 2) Formato, com respectivas categorias e subcategorias, conforme explicado no quadro abaixo. Um protocolo de análise foi montado no Excel e o conteúdo sistematizado.

Tabela 4
Tabela 4

Descrição das categorias e subcategorias de análise

Autoria própria.

Durante a análise, como a maior parte das matérias abordaram a situação migratória do brasileiro no exterior, conforme detalhado abaixo, consideramos pertinente identificar no conteúdo quantas vezes o termo “irregular” e/ou “ilegal” aparece.

Sobre o tema retratado pelos portais, a maior parte das matérias e reportagens (33 no total) é sobre a situação migratória, uma vez que focam aspectos demográficos da questão intrinsicamente relacionados a políticas e legislações migratórias, o que afeta diretamente a situação dos brasileiros em outros países. Alguns exemplos: “Número de brasileiros que tentam entrar ilegalmente nos EUA cresce em 2020” (G1, 17 de maio de 2022); “Número de brasileiros em Portugal cresce 13% e bate recorde” (UOL, 10 de fevereiro de 2022). Outros temas que apareceram em menor quantidade foram: comportamento (6), economia (4), violência/preconceito (2) e associativismo/comunidade (1). Destaca-se que não houve registro de pandemia e na subcategoria outros, classificamos 1 notícia com a temática esportiva, especificamente, sobre jogadores de futebol brasileiros que atuam no exterior

Até mesmo por conta da temática abordada e quantidade de matérias e reportagens, na categoria Mapa geográfico, o país que mais aparece são os Estados Unidos (29 ocorrências). O México e outros países da América Latina, como Salvador, Honduras, Guatemala, Chile e Haiti, também são citados com frequência no conteúdo analisado, porém, relacionado com a emigração para os Estados Unidos , tanto no aspecto da travessia da fronteira como por serem países que, assim como o Brasil, têm grande quantidade de cidadãos vivendo ou tentando entrar no país norte-americano. Portugal teve 9 registros – incluindo as duas classificadas na temática violência/preconceito [4]– e outros países da Europa, incluindo Espanha e Itália, foram citados apenas quando a notícia trazia alguma referência sobre questões de documentos de dupla cidadania. Chama a atenção uma matéria publicada sobre a Irlanda intitulada “Imigração: Total de brasileiros na Irlanda quintuplicou em seis anos; veja relatos” (G1, 3 de maio de 2022) –, que não tem histórico significativo de processos migratórios a partir do Brasil, e frisamos a completa ausência de notícias sobre Japão e Paraguai, países com tradição nos fluxos de brasileiros.

Com relação à categoria Atores sociais, ou seja, quem fornece informações sobre as questões abordadas conhecidas como fontes de informação, verifica-se um aspecto de diversidade. Até, mesmo por conta do formato analisado, matérias e reportagens, que requer uma profundidade maior na apuração e abordagem, o mesmo conteúdo costuma ser elaborado a partir de várias fontes. Do total de 47 notícias analisadas, apenas 8 citaram tão-só uma fonte. Em 23 notícias, os próprios emigrantes brasileiros apareceram contando suas experiências e histórias de vida sobre o tema abordado na matéria. Em 20, apresenta-se a fala de representantes de instituições oficiais brasileiras, entre elas: MRE – Itamaraty –, Polícia Federal, Ministério da Justiça, Banco Central e Receita Federal. Com relação às instituições internacionais e seus representantes (15 no total), evidentemente, elas estão relacionadas ao país abordado na notícia. No caso dos Estados Unidos, aparecem com frequência a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, em inglês), o Departamento de Trabalho (Department of Labor) e o Council on Foreign Relations (CFR). No caso de Portugal, são consultados constantemente o Serviço de Fronteiras e Estrangeiros (SFE) e o Instituto Nacional de Estatística (INE).

Sobre os especialistas, eles aparecem em 13 matérias e, em todos os casos, são brasileiros, geralmente professores e pesquisadores acadêmicos de universidades públicas e privadas no Brasil. Há também casos de representantes de empresas do setor econômico e jurídico, especialmente, especializadas na temática da mobilidade – consultorias de remessas financeiras, escritórios de advocacia e profissionais da área de relações internacionais –. Já a Organização Internacional para Migrações (OIM), agência da ONU para a temática, foi o único organismo internacional presente no corpus analisado (em 5 notícias). Sobre OSCs, foram consultadas, de maneira geral, organizações que trabalham com migrantes no país de destino e/ou especificamente brasileiros. Exemplos: Casa do Brasil de Lisboa, Rede Internacional para Migrações e Grupo Mulher Brasileira. Destaque para uma matéria que trouxe a fala de uma migrante boliviana que vive no Brasil “Brasileiros no exterior enviam recorde de dinheiro ao país” (UOL, 20 de novembro de 2021), que relata a importância do envio de dinheiro por parte do migrante para o sustento dos familiares que ficam no país de origem.

Todas as 47 notícias analisadas utilizam o termo “brasileiro” ou “brasileira” para se referir ao cidadão do Brasil que mora no exterior. Em 32 delas, aparece, também, o termo migrante (emigrante ou imigrante). Entretanto, quando a notícia está relacionada ao tema “Situação migratória” (subcategoria de análise 1.1), também é utilizado o termo “deportado” (8 no total). Não foram verificadas no conteúdo analisado as subcategorias “Refugiado” ou “Asilado”. Houve apenas um caso em que o brasileiro foi identificado como “extraditado” (G1, 10 de novembro de 2021).

Já sobre a ênfase da notícia, isso é, se o conteúdo, de maneira geral, ressalta um aspecto favorável ou desfavorável do processo migratório, 29 enfatizaram aspectos desfavoráveis. São matérias sobre brasileiros presos e deportados, brasileiros vítimas de preconceitos, brasileiros que trabalham com subemprego e em condições de vulnerabilidade, ou ainda, sobre crianças brasileiras que migraram com os pais em situação de irregularidade ou mesmo sobre o êxodo de brasileiros altamente qualificados ou que se encontram em uma fase de economicamente ativa e que muito poderiam contribuir para o país, se não migrassem. Apenas uma mencionou a problemática do tráfico humano (G1, 13 de dezembro de 2021)[4]. Já entre as 16 notícias que destacam aspectos favoráveis estão as que tratam sobre casos de sucesso de algum artista ou empresário brasileiros no exterior, do processo de votação para presidente em outros países, do envio de remessas por parte desses emigrantes ao Brasil, de intercâmbios de estudantes, etc. Duas notícias não puderam ter a ênfase identificada (NI). Interessante notar, ainda, que as 6 matérias que foram classificadas na temática de Comportamento (subcategoria 1.5) tiveram ênfase favorável e não se utilizaram do termo migrante (apareceu apenas o termo brasileiro). As 4 classificadas na temática Economia (subcategoria 1.2) também registraram ênfase favorável, ainda que 2 delas fizessem o uso do termo migrante.

Todas as 33 matérias e reportagens classificadas na temática Situação migratória (subcategoria 1.1) tiveram ênfase desfavorável. Em todas, aparecem o termo migrante e, em todas, verifica-se, ainda, a utilização do adjetivo ilegal ou irregular (para classificar a situação migratória em termos de documentação do brasileiro no país de destino), o que não ocorre em nenhuma outra subcategoria da categoria Tema (1).

Em ambos os portais analisados, as matérias e reportagens publicadas sobre a temática dos emigrantes brasileiros foram construídas a partir de quatro recursos técnicos e de linguagem principais: 100% delas utilizam texto. Em 30, há fotos; em 26, há vídeos; e em 2, há infográficos. Apenas uma utilizou ainda de podcast intitulado “Piores dias da minha vida’, diz adolescente que estava em voo com mais de 90 brasileiros deportados dos EUA” (G1, 4 de fevereiro de 2022). Interessante notar que as fotos nem sempre correspondem ao fato noticiado, ou seja, em alguns casos, são utilizadas fotos “genéricas” sobre a temática da migração – geralmente de agências internacionais – como elemento ilustrativo da página. As figuras 3 e 4 são exemplos dessa ocorrência [5]. Outro aspecto a se destacar é que o G1 se utiliza muito mais de vídeos que o UOL (25 notícias contra apenas 2), o que é razoável pela inserção no portal de material produzido pela Rede Globo, que faz parte do grupo.

Imagen 1
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Imagen 1

Matéria G1, 22 de novembro de 2021

G1 (2021, 2022)

Imagen 2
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Imagen 2

Matéria G1, 11 de dezembro de 2021

G1 (2021, 2022)

Sobre a autoria dessas matérias, há bastante diversidade. A maior parte (10 delas) é da BBC, parceira do G1 e UOL. Com relação ao portal UOL, 4 são da Folha e 4 do próprio UOL. Já com relação ao G1, 5 são da TV Globo (de programas como Fantástico ou Jornal Nacional), 1 da Globo News, e 16 do próprio G1, ainda que elaborada em parceria com a TV Globo e suas afiliadas. Destaca-se ainda 2 notícias do Deutsche Welle, 1 do Jornal da Band, 1 do Estadão Conteúdo, 1 da revista Piauí, 1 do Lance! e 1 da Rádio France Internacional (RFI). Chama a atenção a ausência de textos das tradicionais agências internacionais (Reuters, AFP etc.), ficando, essas restritas às fotografias.

Por fim, verifica-se que entrevistas e análises de documentos e dados são os principais meios de apuração dos fatos. Das 47 notícias analisadas, 37 fazem uso das entrevistas (com emigrantes, representantes de instituições oficiais, OSC etc.) e 39 trazem informações de documentos, especialmente, de ordem estatística e demográfica. Novamente, pelo caráter do conteúdo analisado (matérias e reportagens), 46 se utilizam de ambos os meios ou outros. Apenas uma foi elaborada somente a partir de nota oficial. Outros recursos verificados foram: notas oficiais, informações de outros meios de comunicação de notícias e recuperação de conteúdo anteriormente publicado. Sobre a apuração in loco, em 8 notícias o repórter esteve presente no lugar do fato, no entanto, quando esse ocorria no Brasil. O maior exemplo, nesse sentido, são as matérias de chegada aos aeroportos de voos com brasileiros deportados. As demais, ou foram feitas a distância (24), ou não foi possível identificar (15 NI).

O que significam esses dados?

A análise do enquadramento midiático evidenciou fragilidades e potencialidades dos processos migratórios, não, necessariamente, de maneira equilibrada e explícita. De fato, no enquadramento da mídia dado ao tema dos brasileiros no exterior houve ênfase nas questões relacionadas à situação migratória irregular de parte dos brasileiros que vivem no exterior, especialmente, nos Estados Unidos. Ainda que essa apresentação esteja relacionada à questão de valores-notícia [6] diversos, sabe-se que a realidade vivida por essa comunidade vai muito além das questões de cruzamento de fronteiras e aspectos jurídico-legais.

Outro ponto que merece destaque é o uso de argumentos políticos, econômicos e demográficos na construção de dinâmicas simbólicas para a visibilidade mediada. Ainda que tenhamos verificado que as informações para a construção das notícias venham, majoritariamente, dos próprios migrantes, de pesquisadores acadêmicos renomados, de instituições oficiais e até, mesmo, de organismos internacionais, o que nos surpreendeu, positivamente, funcionalidades inerentes ao campo midiático e seus aspectos institucionais acabam por inserir esses atores na lógica do enquadramento da realidade abordada. Soma-se a isso, o uso de determinados termos, como vimos ilegal/irregular ou brasileiros/migrantes, que acabam por reforçar aspectos de preconceito, racismo, xenofobia, fazendo-nos concordar com Eco quando o autor diz que não há intolerância entre os ricos. “A intolerância mais tremenda é a dos pobres, que são as primeiras vítimas da diferença” . (Eco, 2020, p.49)

Além disso, a ausência de notícias de outros países onde há brasileiros, como mostrou nosso mapa geográfico, de iniciativas de organização, associativismo e comunitárias (como sabemos ser uma constante no grupo envolvido), formas de inovação econômica, cultural e tecnológica, principalmente, impactos no desenvolvimento, seja no país de origem, seja no país de destino, e do próprio histórico de políticas públicas voltadas a essa população precisam ser levados em conta no acesso à informação para conhecimento das diversas situações de deslocamentos e situações individuais e/ou coletivas.

Nesse sentido, podemos afirmar que em processos de midiatização, enquadramento, noticioso, temático e episódico, em conjunto, do material jornalístico analisado foca na ideia de migração como um “problema” a ser solucionado, colaborando, em última instância, para o reforço de discursos conservadores, de negação de direitos e cidadania do grupo envolvido. Significa dizer que, majoritariamente, seleciona, apresenta e enfatiza elementos da emigração brasileira como uma questão demográfica, política, econômica e de segurança, evidenciando, ainda, complexas relações geopolíticas entre países centrais e periféricos. Notoriamente, sabe-se que, tal conteúdo, de forma isolada, não é suficiente para impactar na construção de uma compreensão do receptor desse conteúdo sobre esse universo ou mesmo de si mesmo – “uma consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço” (Thompson, 2014, p.71), uma vez que há muitas outras formas de interação social. Entretanto, deixa de contemplar possibilidades de visões quanto à emigração como uma experiência humana, rica culturalmente e de desenvolvimento, pessoal ou social.

Considerações finais

No interior das dinâmicas socioculturais, os meios de comunicação não podem ser pensados apenas como meios, ou seja, canais tecnológicos de transmissão de mensagens. Devem ser analisados, também, como fins, uma vez que participam dos modos de constituição e reconhecimento de uma situação ou mesmo de um grupo, ou, como vimos, a partir de sua vertente cultural (Thompson, 2014). A mídia não é só responsável por dar visibilidade a determinados fatos. Ela também propõe modos próprios de fazer existir certa realidade. E foi isso que procuramos mostrar com este trabalho, fazendo uso da teoria do enquadramento como recurso teórico metodológico para uma análise de conteúdo sobre notícias relacionadas aos migrantes brasileiros no exterior publicadas durante um ano em dois grandes portais de notícias do Brasil, a G1 e o UOL.

Para isso, dividimos nosso corpus de pesquisa em duas unidades de registro: Conteúdo e Formato e, estabelecemos categorias de análises que pudessem dar conta do enquadramento noticioso seguindo as orientações de Porto (2002), no que diz respeito a padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizados na construção do conteúdo jornalístico sobre a temática dos emigrantes brasileiros. Além disso, procuramos complementar essa abordagem com a proposta de enquadramento temático e episódico de Iyengar (1990), que refletem não só a tendência geral da notícia, mas, também, relaciona o tema em termos das experiências proporcionadas.

Reconhecemos que este estudo apresenta lacunas. É imperativo a análise de um corpus noticioso maior, que reúna, inclusive meios alternativos ou mesmo a chamada imprensa étnica [7], para se verificar outras possibilidades de enquadramentos. Além disso, pesquisar os efeitos dos enquadramentos midiáticos – por meio de estudos de recepção – são fundamentais para compreender não só como a realidade dos brasileiros no exterior é interpretada, mas como conhecimentos subjetivos e/ou coletivos se misturam em uma sociedade heterogênea exposta aos mais variados tipos de interações sociais

Por fim, cabe destacar que o processo de midiatização é muito maior que o enquadramento midiático. Assim, é possível construir múltiplas versões da realidade – que se modificam a todo momento, a depender, também, da amplitude e velocidade não só dos meios, mas também do avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Em última instância, os enquadramentos propiciam diferentes formas de leitura e conhecimento, nesse caso, das situações e experiências vividas pelo emigrante brasileiro. Isso não exclui sua inserção em um contexto histórico-social, que identifique um fluxo estruturado de mensagens, revele conflito de vozes e olhares, ainda que mediado pelos canais de comunicação, e fomente capacidades de intervenção ou de contribuição de receptores favoráveis e solidários à luta dessa comunidade.

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Notas

[1] Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior, intitulada “Brasileiros no exterior: As redes de comunicação na identificação do perfil, condições de vida, formas de organização e de construção das identidades”, que vem sendo desenvolvido desde 2022 e tem, como um dos seus produtos, a plataforma de dados “Brasileiros no exterior” (https://www.brasileirosnoexterior.org).
[2] Entende-se como gênero jornalístico, segundo Melo e Assis (2016, p. 49) “a classe de unidades da Comunicação massiva periódica que agrupa diferentes formas e respectivas espécies de transmissão e recuperação oportuna de informações da atualidade, por meio de suportes mecânicos ou eletrônicos (aqui referidos como mídia), potencialmente habilitados para atingir audiências anônimas, vastas e dispersas”.
[3] Apenas 2 notícias se repetiram nos dois portais, ambas produzidas pela BCC, agência pública de notícias do Reino Unido: Portugal vê nova onda de imigração brasileira após reabertura de fronteira (nos dois portais em 4 de dezembro de 2022) e Discriminação contra brasileiros em Portugal: “Tive que falar inglês para ser bem tratado” (nos dois portais em 6 de maio de 2012). Nesse caso, ela só entrou para a análise uma vez (e apareceu quantitativamente no UOL).
[4] Justamente as notícias já descritas na nota de rodapé nº 5.
[5] Na Figura 3, o título da matéria apresenta o aumento do número de brasileiros cruzando a fronteira do México para os Estados Unidos. No entanto, a foto, da Agência Reuters, traz a legenda: “Migrantes na fronteira dos EUA com o México, em 16 de setembro de 2021”, ou seja, nem todos da foto são brasileiros. Já na Figura 4, o título é: “Por que a migração de brasileiros para os EUA explodiu”; a foto, da Agência Press, tem como legenda “Em foto de arquivo, imigrantes passam pela Villa Comaltitlan, no caminho pelo México até a fronteira dos Estados Unidos”.
[6] Há uma grande discussão com relação ao conceito teórico de valor-notícia. Neste trabalho, o entendemos a partir da visão clássica de Wolf (2005), que considera os valores da notícia elementos estabelecidos a partir de convenções e práticas profissionais que respondem à pergunta: “quais os acontecimentos considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícia” (Wolf, 2005, p.190). Seriam justamente esses elementos que o jornalista utiliza para identificar a importância dos fatos e realizar escolhas e formas de abordagens.
[7] Entendemos por imprensa étnica os veículos impressos e de outras linguagens formados por e para imigrantes. Também conhecidos como jornais de colônia ou coloniais, jornais estrangeiros ou de língua estrangeira – são um fenômeno resultante do processo migratório internacional. Seu surgimento está intimamente ligado à chegada e ao estabelecimento de um grupo de imigrantes num novo território; seu perfil, desenvolvimento e continuidade dependem: 1) da capacidade de organização do grupo envolvido; 2) dos interesses e necessidades dos membros desses grupos; e 3) de fatores econômicos, políticos, técnicos, culturais e sociais de ordem regional. Seu conteúdo compreende, de maneira geral, notícias sobre hábitos, costumes e tradições da nacionalidade envolvida, informações sobre o país de origem e prestação de serviço de interesse do grupo. (Escudero, 2007)

Informação adicional

Declaración: Este artículo se dereiba de la investigación denominada: “Brasileiros no exterior: As redes de comunicação na identificação do perfil, condições de vida, formas de organização e de construção das identidades”. La cual se viene realizando desde 2022 y cuyo resultado es la plataforma de datos Brazilians Abroad (https://www.brasileirosnoexterior.org/).

Cómo citar: Escudero, C. (2023). Enquadramento e processos de midiatização na construção e interpretação de realidades dos brasileiros no exterior. Mediaciones, 30(19), pp.279-297.

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